
Você já ouviu que a terapia hormonal na menopausa aumenta o risco de câncer de mama? Mas… de onde surgiu essa ideia? E será que ela ainda faz sentido hoje?
A terapia hormonal já é usada desde a década de 1940, principalmente para aliviar os sintomas da menopausa. Durante décadas, estudos observacionais mostraram possíveis benefícios cardiovasculares — e foi para investigar isso com mais rigor que, em 1991, o governo americano criou o WHI – Women’s Health Initiative, um dos maiores estudos sobre saúde feminina já realizados.
O objetivo era avaliar, com base em evidências de alto nível (um estudo clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo), se a terapia hormonal realmente protegia o coração e prevenia doenças crônicas em mulheres na pós-menopausa.
O braço do estudo que avaliava a terapia hormonal envolveu cerca de 27 mil mulheres, com idade média de 63 anos (detalhe: muitas já estavam há mais de 10 anos na pós-menopausa) foi dividido da seguinte forma:
- Mulheres com útero: tomaram estrogênio conjugado equino (CEE) + medroxiprogesterona (MPA) – uma progestina sintética
- Mulheres sem útero: tomaram apenas estrogênio conjugado equino (CEE)
O que aconteceu em 2002?
Em 2002, o estudo foi interrompido no grupo que usava os dois hormônios após observarem um aumento no risco de eventos adversos, entre eles:
- Aumento do risco relativo de câncer de mama: 25%
- Maior incidência de eventos cardiovasculares (como infarto, AVC e trombose)
- Risco aumentado de demência em mulheres mais velhas
Pontos importantes a serem levantados com relação ao estudo:
- A idade média das participantes era de 63 anos, e muitas já estavam há mais de 10 anos na pós-menopausa (sem o estrogênio natural), o que afeta os resultados, já que o risco cardiovascular já podia estar instalado.
- O risco absoluto de câncer de mama subiu de 4 para 5 casos a cada 1.000 mulheres/ano — representando um aumento real de apenas 0,08% ao ano.
- Mesmo com um aumento pequeno, a mensagem divulgada na mídia — sem a devida explicação da diferença entre risco relativo e risco absoluto — foi alarmante: “Reposição Hormonal aumenta o risco de câncer de mama em 25%!”
- Essa interpretação assustou milhões de mulheres e causou um abandono em massa da TRH — muitas vezes, sem uma análise individualizada.
- Os hormônios utilizados no estudo (estrogênio conjugado equino — derivado da urina de éguas prenhas — e a medroxiprogesterona) não são mais utilizados atualmente nos protocolos modernos, que hoje priorizam hormônios bioidênticos, com estrutura química idêntica à dos hormônios produzidos pelo corpo.
Mas e o grupo que usou só estrogênio?
Um detalhe importante (e pouco divulgado na época):
O grupo que usou apenas estrogênio (mulheres sem útero) não apresentou aumento no risco de câncer de mama. Pelo contrário, nas reanálises por faixa etária, especialmente entre mulheres de 50 a 59 anos, observou-se:
- Redução da mortalidade geral
- Redução do risco cardiovascular
- Melhora dos sintomas e da qualidade de vida
Esses achados ajudaram a reforçar o conceito da janela de oportunidade, que considera que os maiores benefícios da TRH ocorrem quando ela é iniciada até 10 anos após a menopausa.
E hoje? O que mudou?
Entre 2013 e 2019, diversos estudos revisaram os dados do WHI e mostraram que a TRH, quando bem indicada, pode sim ser uma aliada na saúde da mulher, especialmente com:
- Uso de estrogênio transdérmico (absorvido pela pele)
- Progestágenos com perfil mais seguro ou progesterona micronizada
- Hormônios bioidênticos
- Acompanhamento médico individualizado
Hoje, organizações como a North American Menopause Society (NAMS) reconhecem a TRH como uma opção segura para mulheres sintomáticas no início da menopausa, desde que haja indicação clínica e acompanhamento adequado.
Conclusões:
O WHI foi um estudo importante, mas sua interpretação inicial — sem esclarecer a diferença entre riscos absolutos e relativos — gerou medo, confusão e afastou muitas mulheres de uma terapia que, quando bem indicada, pode ser bastante benéfica.
Mas atenção: isso não significa que a TRH serve para todas. A decisão deve ser individualizada, com avaliação cuidadosa do histórico pessoal, sintomas, riscos e contraindicações absolutas, sempre com acompanhamento médico.